terça-feira, maio 18, 2010

Vozes Cómodas

(Excerto de um artigo publicado por mim em 2004)
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Os Meios e os protagonistas de hoje
O século XX foi um século de grandes convulsões. Pelo menos foi o século em que as convulsões foram mais notícia, passe a má gramática. A evolução tecnológica das comunicações evoluiu a uma velocidade jamais sonhada, ajudando ao fenómeno que conhecemos hoje como a globalização.
Como tão bem definiu McLuhan, o mundo tornou-se uma aldeia global onde a informação deixou de ter fronteiras e as ideias surgiam às catadupas e eram divulgadas à velocidade do segundo. O cosmopolitismo substituiu o regionalismo e até o nacionalismo, as culturas entrecruzaram-se e os impérios diluíram-se na economia de mercado. O mundo está mais interessado em olhar para fora do que olhar para dentro – olhar para o que está mais perto de si. Podem-se resumir os tempos de hoje no facto de que já não é necessário ir à China para termos, por exemplo, artesanato chinês na nossa sala de estar.
Nunca, desde os tempos conhecidos, o Homem teve esta possibilidade de fazer chegar a sua voz a uma audiência vasta e influente. Hoje, os problemas dos outros, os problemas distantes, passaram a ser nossos problemas; e a possibilidade de contestar, de criar e de influenciar parece estar ao alcance de qualquer um, em qualquer parte do planeta. Então em que situação vamos encontrar os heróis de hoje, os herdeiros das vozes incómodas que, mais atrás neste artigo, foram nomeadas? Onde estão eles, agora que têm meios espantosos de disseminação de informação? Onde estão os líderes, os que gritam na escuridão, os que pregavam aos peixes, onde estão eles hoje?
Por paradoxal que pareça, presentemente, quando os meios de comunicação e o acesso à informação estão à distância de uma vontade apenas, esses heróis de que tanto precisámos e continuamos a precisar, esses heróis parecem terem-se dissolvido na chamada economia de mercado. As vozes incómodas de hoje submergem-se naquilo que é o paradigma dos nossos tempos: todo o Universo é uma gigantesca oportunidade de negócio. De facto, os Meios de hoje não informam nem debatem, apenas vendem ou ajudam a vender. A Arte e a Cultura são, como tudo o resto, meras oportunidades de negócio a explorar nas sua mais variadas facetas. Não será desgraça dizer que, nunca como hoje, a Arte e a Cultura foram tão apáticas, conformistas e passivas. Parece que a Estética moderna foi atacada de um certo infantilismo – o que se percebe dada a obsessão actual da procura da felicidade. E a Felicidade, como oportunidade de negócio, não rima com perturbações, rupturas ou inovações fracturantes. A Imagem ganhou a primazia como forma de comunicação porque a Imagem é o Meio mais fácil de manipular e o mais difícil de alcançar – podemos ser disléxicos mas aprendemos a ler ou a escrever; mas, se formos feios ou gordos, teremos que gastar muito dinheiro para alcançar a Imagem, e aí está uma excelente oportunidade de negócio como tantas outras.

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