sexta-feira, fevereiro 10, 2012

A METAFÍSICA DAS COISAS GRANDES - Texto de Humor publicado na revista Fardo de Palha


Olá! O meu nome é Mário Brilhante e estou aqui para partilhar com os leitores a minha paixão pelas coisas grandes. Este gosto vem desde pequenino quando o meu padrasto me esmagava a cara com a sua bota cardada e eu admirava o tamanho enorme daquela bota. Desde então sempre existiu em mim um certo gosto pelas coisas grandes, enormes, portentosas... tornei-me megalómano (esta foi a conclusão a que chegou o Sr. Doutor nas nossas consultas de Psiquiatria. O Sr. Doutor ainda não arranjou explicação foi para o facto de eu, às Sextas-feiras gostar de me vestir de mulher e de frequentar, assim vestido, a Avenida até às quatro/cinco da manhã). Há uns tempos a vida começou a correr-me mal. Eu conto: na minha busca incessante das coisas de um tamanho digno descobri que o Sr. Martin Gilbert havia escrito uma biografia do Sir Winston Churchill com 16.745 páginas! O grande entusiasmo pelas coisas grandes invadiu-me e comecei a escrever o meu próprio diário. Fui calculista, claro: ao ritmo de uma página por dia e durante pelo menos 50 anos, produziria mais de 18.000 páginas! Desculpe, Sr. Gilbert mas o mundo não é para quem pensa pequeno...
Mas tudo correu bem?... Não! Ao fim de 2 meses a minha casa foi assaltada por uns patifes e mais tarde o diário foi acabar nas mãos da polícia. Ora, a polícia é extremamente conservadora. Direi mesmo que a polícia é mais conservadora do que a própria Igreja Católica. Por isso (e por aquilo que estava escrito no meu diário), acabei algemado num tribunal. O juiz, os advogados e alguns populares estavam todos contra mim. O próprio juiz, após sentença exemplar, fez questão de abandonar a sala, não sem antes me ter cuspido ostensivamente na cara.
A vida na prisão não era para quem lá não estava. Para começar, e como o leitor compreenderá, na prisão, tive de deixar de me vestir de mulher às Sextas-feiras. Um dia estava eu a escrever nas paredes da minha cela a palavra AMOR, quando o chefe dos guardas achou que a letra “O” da palavra AMOR era, nada mais, nada menos, do que a marcação do sítio onde principiaria a escavação de um túnel para a nossa fuga e ficou bastante aborrecido comigo. Um dos guardas foi de propósito buscar ao seu Mercedes SLK Kompressor descapotável uma barra de ferro com a qual me agrediu repetidamente até a barra ficar em “L”. Quando vi o formato da barra em “L”, pensei que o castigo tinha acabado mas... o tipo cismou em endireitar a barra no meu lombo!
Na prisão o tempo passa depressa e a Esperança espreita em qualquer esquina (ou seja: também a Esperança está na prisão). Surgiu a hipótese de eu tirar, aqui atrás das grades, um curso de Direito. Ah, que excitação! Um dia eu ser advogado e exercer uma profissão tão nobre que consiste em defender os criminosos e espoliar os inocentes... que entusiasmo! No entanto, apesar do discurso oficial da Reinserção dos Evadidos (desculpem, isso é outra coisa... Reinserção dos Evadidos é pegar neles e enfiá-los outra vez na cadeia); dizia eu: apesar dos discursos oficiais, o Ministério da Educação não homologou o nosso curso de Direito. Porquê?! Pelo facto do responsável professor ser um tal ex-dirigente do Benfica e pelo facto de esse dirigente (passo a citar o Ministério) “ter dificuldades na explicação de certas concepções próprias do Direito”. Fiquei de rastos. E assim me mantive durante toda a pena.
Bem... hoje sou um cidadão livre cuja maior ambição é ser toxicodependente. Sim, caros leitores, ser toxicodependente é um must. Veja-se: todos têm pena de nós e alguns até nos querem ajudar (já viu alguém ajudar uma pessoa normal?!), não há horários rígidos, toda a gente depois de estacionar o carro preocupa-se em nos dar umas moedas, ganhamos dezenas de contos por dia (a bem ou a mal), mesmo que a mulher nos chateie a cabeça nós não ouvimos. Ser toxicodependente tem muitas vantagens, mas a maior das vantagens é o facto de, em tribunal, todos nos desculparem os nossos crimes. A mim, nunca mais nenhum juiz me cuspirá na cara.
Entretanto não paro. De entre as coisas grandes que eu adoro (salvo seja), está a maior palavra do mundo que acabei de descobrir:
Nordöstersjökustartilleriflygspaningssimulatoranliiggningsmaterielunderhallsuppföljningssystemdiskussionsinlaggsförbefedelsearbeten. É sueco e significa (tradução livre):
“ Trabalho Preparatório para Contribuição do Debate Acerca da Manutenção de Um Sistema de Suporte do Dispositivo do Simulador de Voo Integrante do Sistema De Artilharia Montado na Costa Noroeste do Mar Báltico”.
Os militares têm tudo em grande...
                                                                                  © Teixeira Moita

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